Conceitos

Tradução: Fábio Furtado

Sobre a prática de asanas (posturas), o terceiro membro ou passo do Ashtanga Yoga, segundo os Yoga Sutras:

Sutra II, 46: sthira-sukham aasanam.
Sthira: permanência, estabilidade
Sukham: conforto

Tradução: Um asana (uma postura) [como fazendo parte do yoga] é tal que seja estável (que tenha permanência) e confortável (relaxado).

Sutra II, 47: prayatna shaitilya ananta samaapattibhyaam.

Explicação, segundo Srivatsa Ramaswamy, em Yoga for the Three Stages of Life, cap. 7:

Patañjali indica os meios para se alcançar a pefeição nas posturas (aasanas) quando ele diz (II,47) prayatna shaitilya ananta samaapattibhyaam. A palavra prayatna normalmente tem o sentido de “esforço”. Ao passo que isso é geralmente correto, a palavra em questão deve ser tomada como termo técnico e o seu sentido apropriado investigado. Muitos autores e comentadores assumiram essa palavra como significando “esforço em geral”, o que se traduz no pedido que se costuma fazer aos estudantes para não forçar a si mesmos em uma determinada postura, mas, em vez disso, relaxar nela. Nyaaya, uma filosofia irmã do yoga, divide prayatna em três grupos. São estes pravrtti, nivrtti e jiivana prayatna. Pravrtti e nivrtti são citta vrttis (discutidos anteriormente) e suas ações físicas correspondentes, tais como mover-se para frente para encontrar e cumprimentar um amigo ou assumir uma ação evasiva para não ser atingido por um carro em alta velocidade. Jiivana prayatna, entretanto, se refere aos esforços feitos por um indivíduo para manter a vida e, mais especificamente, a respiração. Este é o saamaanya vrtti a que faz referência o capítulo 4. Portanto a palavra prayatna deve ser entendida com o sentido de “o esforço de respirar”. E este deve se tornar suave (shithila, donde vem shaithilya, “relaxar”). Assim, durante a prática de aasanas, a respiração deve ser suave, e no sistema do meu professor [Krishnamacharya] é portanto mandatório interromper a prática e descansar quando a respiração não está suave. Uma respiração curta está associada a uma mente fragmentada (shvaasa prashvaasah, viksepa saha bhuvah), de modo que uma respiração sincronizada, suave e longa (tanto a inspiração quanto a expiração) se torna um fator sine qua non para a prática de aasana em vinyaasakrama [sistema de vinyaasa].

O sutra de Patañjali tembém menciona samaapatti, ou “fixar a mente”. É comum que a mente das pessoas se encontre vagando enquanto elas praticam asanas, especialmente quando elas se acostumam a eles. O esforço se torna mecânico, um hábito, como dirigir um carro, quando não se está completamente concentrado. Portanto, onde a mente deve se concentrar? A resposta está tembém no sutra. Resumidamente, deve-se concentrar em ananta (ananta samaapattibhyaam), cujo termo literalmente significa “não dobrado” ou “infinitude” (an + anta = ananta); certas escolas sugerem que deve-se concentrar na infinitude enquanto se praticam os asanas. Para um iniciante, até mesmo tentar algo assim é difícil – quase impossível. Ananta, no entanto, é o nome de Naagaraja ou Adishesa, de quem Patañjali foi um avataara. Deve-se então – é o que algumas tradições de yoga requerem – contemplar a figura de Naagaraja ou Patañjali, cujos ícones e ídolos podem ser obtidos em determinados templos e também em escolas de yoga que têm o vigraha (ícone) de Patañjali. O dhyaana sloka (oração de invocação) de Patañjali descreve sua forma (aakaara) e magnificência (prabhaava), e, na figura de Ananta, ele é o primeiro proponente e guru do Yoga.

“A palavra ananta também significa “respiração”, significado que é mais apropriado aqui. Ana é respiração (ana shvaase), como na palavra praana (pra + ana). Assim é correto dizer que se deve mentalmente seguir a respiração enquanto os movimentos nos aasanas são feitos. Uma atenção bem próxima à respiração é o ponto de conexão entre a mente e o corpo. Pode-se concluir a partir disso que ao se praticar aasanas, feitos com uma respiração intencional e fixidez da mente, atinge-se estabilidade [sthira, ver sutra anterior] e relaxamento [sukha, idem], o que é aasana siddhi (perfeição/realização/dom em asana). Dessa forma, o indivíduo não é mais afetado pelos pares de opostos, tais como febre e hipotermia e outras condições de oposição, sejam físicas ou mentais. O aasanaabhyaasii [praticante de asana] desenvolve por meio disso uma tolerância a dores derivadas de oposições (dvanda), como calor e frio, ridicularia e elogio, sucesso e fracasso; a sua resistência é bastante desenvolvida.

Há quatro fatores na respiração yogue. O primeiro é puuraka, ou inspiração. O segundo, sustentar o ar dentro dos pulmões após a inspiração, é chamado de antah-kumbhaka. O terceiro é recaka, ou expiração controlada. O quarto, sustentar o ar fora dos pulmões, é chamado baahya-kumbhaka. Todos os movimentos do yoga são feitos deliberadamente e com um tipo específico de respiração. Alguns movimentos devem sempre ser feitos enquanto se inspira, e há outros que devem ser feitos ao se expirar. Pode-se ainda permanecer em uma postura enquanto se suspende a respiração com o ar dentro ou fora dos pulmões, ou pode-se empreender um ciclo controlado de respiração yogue enquanto se está em uma postura. Mas há também certos movimentos que podem ser feitos tanto ao se inspirar quanto ao se expirar, dependendo da condição do praticante e dos resultados desejados. Movimentar-se durante a inspiração e enquanto se sustenta o ar dentro dos pulmões é brahmana kriyaa, e movimentar-se durante a expiração e enquanto se sustenta o ar fora dos pulmões é langhana kriyaa. No Ayurveda, ou ciência da medicina (ou da vida), brahmana kriyaa é um termo que está ligado à nutrição, e langhana kriyaa à abstenção de comida (jejum), mas tais palavras têm um sentido algo diferente em yogaabhyaasa. Os kriyaas em uma prática de yoga sattvica são o uso do ar natural para a limpeza dos naadiis e não o uso de tecidos ou outros suportes externos. Assim, o uso da respiração nos aasanas auxilia o praticante a relaxar e alcançar a postura desejada. A respiração ajuda ainda a localizar e trabalhar sobre músculos mais profundos e também sobre os órgãos internos do corpo, algo que de outra maneira poderia não ser possível. Além disso, sabe-se que, com uma respiração deliberada, impede-se que a mente vagueie a esmo, já que está empenhada em seguir a respiração. A prática do yoga se torna dessa forma muito mais completa. O Yogi Naathamuni, que se acredita ser o autor do Yoga Rahasya, chama cada um dos dezesseis capítulos do seu tratado um kalaa, palavra que significa “arte”. Como em música ou qualquer outra forma de arte, é preciso desenvolver sensibilidade e competência por meio de prática deliberada e intensa concentração.

Assim como remédios, além dos bons efeitos, os yogaasanas podem também trazer alguns efeitos colaterais menores, os quais são, essencialmente, físicos. Para contrabalançá-los, toda a postura praticada possui uma contrapostura ou uma seqüência de contramovimentos que auxiliam a manter os efeitos do aasana principal e contrapor quaisquer aspectos indesejados. Por exemplo, shirsaasana tem efeitos positivos em todo o sistema. Mas deve ser seguido por sarvaangaasana. Se sarvaangaasana for feito como a postura principal (digamos, por dez minutos ou algo próximo a isso), deve ser seguido por algum tipo de back-bending suave e ao mesmo tempo algum tipo de exercício que alongue o pescoço, como bhujangaasana ou shalabhaasana, seguidos ainda pela postura sentada padmaasana. De fato, algumas contraposturas, ou pratikriyaas, ajudam a reter os benefícios da postura principal. A combinação shirsaasana-sarvaangaasana é um bom exemplo. É preciso ver o efeito de se fazer aasanas e suas contraposturas diligentemente para perceber a diferença entre um regime organizado ou seqüência planejada de aasanas e vinyaasas e uma prática de aasanas aleatória. Além da ênfase na respiração consciente nos aasanas, conforme se progrida na prática, o uso de bandhas, que envolvem a contração de grupos musculares específicos, é recomendada para que se obtenha maiores benefícios. Entre os muitos bandhas, três são extremamente importantes. O muula bandha requer que se contraia para dentro [do corpo] o reto, o diafragma pélvico e o baixo abdômen, como se ele fosse tocar a coluna (para alcançar a perfeição). Isso é feito [com e] depois da expiração. Deve-se observar que, ao menos nos estágios iniciais, deve-se praticar brahmacarya (abstinência) para se chagar à maestria do muula bandha. O uddiiyaana bandha é a contração para dentro [do corpo] da região do umbigo, novamente como se fosse encostar na coluna, e a elevação do diafragma de tal modo que a região abdominal fique escafóide, ou abaulada. É evidente que pessoas obesas não conseguirão fazer uddiiyaana bandha satisfatoriamente, donde a necessidade do controle da dieta, ou tapas, na prática de aasana para conduzir o corpo à sua forma adequada. O jaalandhara bandha envolve alongar a parte posterior do pescoço e fazer pressão com o queixo sobre o esterno, cerca de três polegadas para baixo do pescoço. Isso efetivamente controla a passagem do ar durante a respiração e é um grande auxílio tanto para praanaayaama quanto para o controle da respiração na prática de aasana vinyaasas. Esses três bandhas (bandha traya) são importantes na prática de aasanas. Pode não ser possível para iniciantes praticá-los desde o começo em sua prática de yoga, mas terão de fazê-lo conforme progridam. Deve ser observado, entretanto, que o trabalho com os bandhas não deve ser empreendido sem a direção de um professor competente que os tenha ele próprio praticado e dominado.

(...)

Deve-se observar que os yogaasanas devem ser praticados de acordo com sampradaaya (tradição) para que se alcancem os benefícios mencionados nos textos. O paddhati (sistema) de nosso aacaarya [Krishnamacharya], baseado nas shastras, é tal que a prática de aasanas deve ser feita com as restrições necessárias (yamaniyamas), ou prerequisitos. Toda prática deve ser feita com preparação, progressão e variação das posturas (vinyaasa), com a correspondente respiração sincronizada, consciente e modulada, e o todo entrecortado por contraposturas e contramovimentos epsecíficos (pratikriyaas), além do emprego de bandhas e mudraas nas fases apropriadas.